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Doenças não transmissíveis e medicina comparada

No âmbito da iniciativa «Uma Só Saúde – Um mês a celebrar para todo o ano relembrar», abordamos o tema “Doenças não transmissíveis e medicina comparada”, produzido pela Professora Catarina Lavrador da Universidade da Universidade de Évora (Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento).

«Como pode uma abordagem Uma Só Saúde apoiar a investigação, o diagnóstico e o tratamento de doenças não transmissíveis assente numa lógica de medicina comparada?

O que podem ter em comum alguns tipos de cancro, a diabetes tipo II, a obesidade, a doença de Alzheimer e a síndrome da disfunção cognitiva dos cães?

Têm em comum o facto de a investigação utilizar as mesmas ferramentas nos vários domínios do conhecimento independentemente do objetivo final e os mecanismos de doença a nível molecular, e em termos de terapêutica serem muito semelhantes. Por outro lado, e em particular com os animais de companhia, muitos aspetos ambientais e nutricionais são partilhados e várias alterações genéticas são também semelhantes.

É na área da oncologia que esta semelhança tem mais expressão, muito motivada pela elevada prevalência destas patologias nas suas mais variadas formas de expressão, nomeadamente osteossarcoma, cancro da próstata, cancro da mama, melanoma, linfoma de Burkitt, etc., pelo que a partilha de informação tem um valor translacional incalculável.

Em 2003 foi criado nos Estados Unidos da América um consórcio na área da oncologia sob esta mesma lógica, The Comparative Oncology Program (COP): https://ccr.cancer.gov/comparative-oncology-program

Este programa estuda animais como modelos espontâneos de doença, permitindo à espécie humana respostas terapêuticas mais céleres e às diferentes espécies animais acesso a diagnóstico e terapias state of the art evidentemente com benefício de todos.

Uma excelente notícia é o facto de já existir em Portugal algo semelhante e que faz um trabalho extraordinário: https://www.vetonconet.pt

Talvez o caso mais emblemático destas semelhanças seja o cancro da mama. Alguns destes tipos de cancros estão ligados a uma mutação no gene BR-CA1. Todos os humanos possuem este gene. Alguns de nós (1 em cada 800) nascem com uma versão mutada. Nas mulheres judias de descendência Ashkenazi a proporção é ainda mais elevada. Nalguns animais uma função anómala deste gene resulta em cancro da mama de forma similar ao que se passa com os humanos. Nalgumas raças de cães, English Spaniel uma mutação neste gene torna esta raça mais vulnerável (4X) a vir a desenvolver cancro da mama. A mutação neste gene só por si não implica o desenvolvimento de cancro da mama, são necessários fatores predisponentes. É exatamente a este nível que a intersecção das duas saúdes pode jogar um papel importantíssimo na medida em que os animais, em particular os animais de companhia, podem servir como sentinelas no sentido de identificar que combinação de genes e que estímulos conduzem ao aparecimento deste tipo de cancro. Assim e ironicamente, para uma mulher judia de descendência Ashkenazi, um cão English Spaniel pode ser medicamente mais útil do que a sua vizinha (humana) do lado…»

Professora Catarina Lavrador da Universidade da Universidade de Évora (Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento)


Publicado em 11/01/2022


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